Atuação da Clínica Psicanalítica no Tratamento com Adolescentes e Crianças Vítimas de Abusos e Exploração Sexual.

Núbia Rodrigues Oliveira – Psicanalista

 

Este artigo tem como finalidade apresentar a questão do abuso sexual, tão vigente na experiência humana, antes, e, a partir da herança teórica de Freud sobre o inconsciente e a sexualidade, destacando a atuação e contribuição que a Clínica tem em utilizar-se de técnicas do saber psicanalítico para promover a saúde psíquica de sujeitos que precocemente tiveram que lidar com o trauma e a dor de terem sido violados em seus direitos fundamentais e violentados em suas emoções, desejos, e fantasias.

Considerando que, em termos práticos, a clínica psicanalítica com adolescentes e crianças exige muita habilidade, técnicas, maior conhecimento do mundo simbólico da criança e suportes técnico-práticos, e ainda é exigido do analista habilidade em lidar com as famílias das vítimas, que também trazem suas queixas e demandas. Conceitos de tempo lógico e cronológico, sujeito do inconsciente e sua singularidade, sexualidade infantil, energias libidinais, recalque,  castração, pulsão e desejo são considerados nesse artigo como suportes que irão sustentar a atuação da Clínica Psicanalítica com adolescentes e crianças em manifestações de incesto.

De acordo com o Mapa de Violência 2015, nos registros do Sistema de Informações e Agravos de Notificação – SINAN, a violência sexual surge como a terceira mais frequente nos atendimentos. Os dados do Instituto Brasileiro de Estudos, Pesquisas e Formação par a Inovação Social – IBEPIS, indicam que no ano de 2016, cerca de 500 mil crianças foram vítimas de abuso sexual no Brasil, com 77 mil denúncias, uma média de 212 por dia. Dados da Delegacia Especializada no Atendimento à Criança e ao Adolescente- DCA apontam que o estado do Rio Grande do Norte registrou em média 344 casos de denúncias de abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes em 2015. No município de Natal, na região administrativa Norte de Natal, foram registrados 110 denúncias, seguidas da região Oeste com 66; região Leste com 41, e região Sul com 25 casos, com maior incidência entre as crianças até 11 anos de idade.

É considerado Abuso sexual quando uma criança ou adolescente é usado para satisfação sexual de um adulto dentro ou fora do núcleo familiar, intrafamiliar ou extrafamiliar e pode se expressar sem contato físico, em forma de assédio com ameaça ou chantagem, exibicionismo, voyeurismo, pornografia, ou com contato físico como carícias nos órgãos genitais com tentativas de relações sexuais, masturbações, penetração vaginal, anal ou oral. Já a exploração sexual é a prática de atos sexuais realizada com crianças e adolescentes mediante pagamento, comércio, troca de um bem, droga ou serviços.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei Federal/ 1990, em seu artigo 2º, considera criança a pessoa até onze anos e onze meses de idade e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. O ECA considera dever da família, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, referentes à vida, à saúde, à educação, ao lazer, ao esporte, à cultura, à dignidade, ao respeito, a convivência familiar e comunitária. Preconiza ainda que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais, no entanto essa realidade ainda é, por demais visível em nossa sociedade.

Freud conferiu um lugar privilegiado à sexualidade na constituição do sujeito, e tal é a sua importância, que ela está na base das perturbações psíquicas. Com o advento da psicanálise, podemos pensar em tornar imprescindível a construção de identidade que não seja a de vítima de abuso sexual, fazendo o sujeito sair da posição de objeto e colocando-se como responsável pela causa de seu desejo. Segundo Freud, para a psicanálise não existe uma aversão inata às relações incestuosas. Dizia ele que os primeiros desejos sexuais humanos são sempre de natureza incestuosas e estes desejos reprimidos desempenham um papel muito importante como causa das neuroses posteriores. É visível a estreita relação do pensamento freudiano no século XVIII com a realidade dos dias de hoje.

Nessa questão, a prática clínica com criança e adolescente deve tomar como regra fundamental também aquela colocada pelo próprio fundador da psicanálise no artigo “Recomendações aos que exercem a psicanálise” (Freud, 1912/1996b) –  a associação livre, que é regra imprescindível ao trabalho analítico, ou seja, o paciente só deve falar o que lhe vier à cabeça livremente, sem intervenção do analista, assim, ele pode trazer, através da fala, material inconsciente traumático. A aposta de Freud no inconsciente implica que o falar pode revelar algo para além do que se diz. A técnica da associação livre nos diz que algo do sujeito é evocado e trazido em análise, inconscientemente.

Na Clínica de Monitoramento a Educação da Saúde- CMEsaúde, no atendimento às crianças ali recebidas, oferecemos, além do divã, brinquedos, jogos, lápis, papel, cola, massinha, o que permite através do seu livre brincar, a expressão dos seus conflitos inconscientes.